Boletim do Ceao
História
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Pausa para falar sobre o povo banto
Pesquisadores reunidos na Casa de Angola atualizam conhecimentos
sobre os primeiros africanos a chegar à Bahia
Cleidiana Ramos
Hoje, o povo-de-santo da nação banto, também chamado de Angola, vai
estar em festa. Às 19h30, começa o Nzila Kuna Nzambi, expressão que
numa tradução para o português significa “o caminho para encontrar
Deus”. Trata-se de um seminário interdisciplinar aliado a uma
exposição etno – fotográfica que vai reunir pesquisadores e
religiosos do culto afro na Casa de Angola. O vice-ministro da
Cultura para o Patrimônio e Instigação Científica de Angola,
Virgílio Coelho, que é antropólogo e estudioso das nações kimbundu,
está em Salvador para participar do encontro.
O evento faz parte do Projeto Nzila, que vem sendo desenvolvido há
dois anos com o objetivo de mapear sob o ponto de vista
antropológico e etnomusical as tradições religiosas de origem banto
na Bahia. Segundo Virgílio Coelho essa é uma oportunidade de
fundamental importância para o que ele chama ação de “arqueologia”
dessa tradição que une Bahia e Angola.
“É preciso aproximar esses dois universos de conhecimentos, fazê-los
circular e preencher as lacunas que existem. Há diversos elementos
de encontro, como cantigas, rezas. Eles se co-relacionam e ao ser
descobertos mostram os laços existentes entre a Bahia e Angola.
Precisamos ter esse intercâmbio, fazer um fluxo e refluxo, como
Pierre Verger fez”, disse o vice-ministro.
Um exemplo do que ele diz é a palavra umbanda. Quando se fala dessa
vertente do chamado culto afro na Bahia, a primeira referência,
geralmente, são as divindades chamadas de caboclos. Mas se a palavra
for mencionada a um angolano do grupo cultural kimbundu ele vai
reportar-se, imediatamente, ao saber tradicional da arte de curar.
São ramificações, aparentemente, distintas, embora se olhadas com
mais atenção, muito próximas, pois basta lembrar a importância do
conhecimento do poder das ervas na vertente baiana. As duas são
crenças herdadas da religiosidade banto que comparada à iorubá –
matriz dos candomblés mais conhecidos em Salvador – foi pouco
estudada.
“Muita da riqueza e diversidade dessa religião ainda é desconhecida.
A cultura iorubá foi privilegiada até porque os escravos de origem
iorubá foram os últimos a chegar aqui. Há pelo menos uma diferença
de 200 anos entre a chegada dos bantos e os iorubás”, destaca o
etnomusicólogo Xavier Vatin, coordenador do evento.
Reencontro – Os bantos foram os primeiros africanos trazidos em
massa para a Bahia a partir do século XVI. Eles eram originários do
Congo e de Angola. Os iorubás começaram a chegar a partir do século
XVIII. A herança cultural desses últimos acabou, principalmente do
ponto de vista religioso, sendo a mais conhecida.
“Esse encontro vai ser importante para um resgate dessa herança
banto. Ele vai reunir num mesmo espaço pesquisadores e o povo de
santo para que possam dialogar sobre os seus conhecimentos,
respeitando-se os fundamentos da religião”, destacou Vatin.
O seminário interdisciplinar vai até a próxima sexta-feira. A
exposição etno-fotográfica é de autoria de Xavier Vatin. Serão
apresentadas 150 fotografias selecionadas entre as 1.500 do acervo
Nzila, que retratam temas ligados ao universo sagrado e à vida
cotidiana dos candomblés de Angola na Bahia. A mostra prossegue até
o dia 2 de abril.
O Nzila Kuna Nzambi tem o apoio da Casa de Angola na Bahia, do
Centro de Estudos e Pesquisas das Tradições de Origem Banto
(CEPTOB), do Departamento de Antropologia da Ufba, da Faculdade de
Tecnologia e Ciência (FTC), da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado da Bahia (Fapesb) e da Secretaria Estadual de Ciência,
Tecnologia e Inovação.
Confira a programação, aberta ao público
Hoje
19 horas
> Abertura do Seminário Valorização e preservação das tradições de
origem banto (Representantes do Governo da República de Angola,
Victor Nataniel de O. Guilherme Narciso, adido cultural da Casa de
Angola na Bahia, Xavier Vatin, coordenador do projeto Nzila-Ufba)
20 horas
> Inauguração da Exposição Etno-Fotográfica
Amanhã
Das 9 às 12 horas (palestras)
> História dos povos banto na África e no Brasil – Tata Laércio
Sacramento – Ceptob e professores Luiz MottProf e Valdemir
Zamparoni, da Ufba – coordenação de Ordep Serra (Ufba).
Das 14 às 18 horas
> Entre iorubá e banto: uma visão antropológica – Virgílio Coelho
(vice-ministro da Cultura de Angola), Stefania Capone (CNRS-Paris),
Ordep Serra (Ufba) – Coordenação de Luiz Mott (Ufba)
> Língua e música no contexto religioso banto – Yeda Pessoa de
Castro (Uneb), Tata Raimundo Dantas (Terreiro Dembwa Kenã), Xavier
Vatin (Ufba) – Coordenação de Stefania Capone (CNRS-Paris)
Sexta-feira
Das 9 às 12 horas
> Nos caminhos de Zambi: História de vida (1) – Anselmo Santos (tata
de Nkisi) (Terreiro Mokambo-Salvador), sacerdote Antônio Gomes da
Silva (Canavieiras), Edson do Sacramento Sales (tata de Nkisi do
Terreiro Unzó Mim Kizangirá-Mata de São João), Juracy Xavier
Passinho (tata de nkisi, do Terreiro Unzó Kuna Inkisi Tombensi
Malaula-Salvador), Geraldo André da Silva (tata de nkisi e
pesquisador-Belo Horizonte) – Coordenação de Cristina Pechine
(Projeto Nzila-Grupo Hermes).
> Nos Caminhos de Zambi: Histórias de vida (2) – Eloína Tavares
(mameto de nkisi do Terreiro Tata Makuende-Salvador), Esmeraldo
Emetério de Santana (xicarangoma do Terreiro Tumba Junçara-
Salvador), Jocélia Santos Vaz (mameto do Terreiro Unzó Kuna Inkisi
Tombensi Malaula Filho-Itapitanga), José Daniel das Neves
(xicarangoma da Goméia-Salvador)
> Coordenação de Cristiane da Silva (Ceptob)
19 horas
Encerramento
> Lançamento do livro “A busca da África no candomblé, de Stefania
Capone
(A Tarde 02/03/2005)
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